“E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão”

(Chico Buarque e Ruy Guerra)

O XIV Congresso Brasileiro de Psicanálise das Configurações Vinculares, intitulado “Dos escombros à reconstrução: os grupos, a Psicanálise Vincular e a produção de saúde”, que ocorrerá de 04 A 07/05 de 2023, no Rádio Hotel em Serra Negra, vem sendo esperado desde maio de 2019. Na ocasião, vivíamos momentos muito preocupantes, considerando o quadro político brasileiro, mas, após quatro dias de congresso, nos quais discutimos os vínculos em tempos de desamparo e as possibilidades de trabalho psicanalítico com grupos, famílias, casais e instituições, sentíamos que encontros como aquele poderiam ser uma forma de sobrevivermos aos desafios que se anunciavam e encontrar sustentação para a produção de saúde mental que imaginávamos ser cada vez mais necessária.

No entanto, não contávamos com a Pandemia que ainda atravessamos e nunca foi possível prever o que viveríamos nos anos seguintes. O grande abismo da desigualdade social em nosso país, aliado a uma profunda crise sanitária e política, demandou dos profissionais dedicados ao trabalho de cuidado e promoção de saúde mental a reinvenção de suas práticas. Aos membros do NESME ficou a cada dia mais evidente que, apesar de termos um espaço físico no qual nos encontrávamos pelo menos uma vez por mês, a instituição não era um lugar, mas pessoas, algumas por mais de 30 anos, que se reuniam para estudar, conhecer mais sobre os processos e fenômenos grupais, viver os grupos e refletir sobre tais vivências.

Assim, apesar da Pandemia e das adversidades de fora, os encontros virtuais entre membros do NESME, realizados desde abril de 2020, foram contribuindo para podermos, juntos, respirar. Pelo aplicativo do Zoom, constituímos espaços de convivência, de trocas, de muito aprendizado. Por ser uma instituição sem fins lucrativos, sua sobrevivência, em si, constituiu-se um ato político. Mantivemos nossos encontros mensais, os cursos, a revista, a clínica, as pesquisas. Mas, abandonar a ideia do congresso presencial, realizado a cada dois anos em Serra Negra, parecia algo insuportável naquele final de 2020, quando deveríamos estar com o congresso de 2021 planejado. Optamos por adiar. Queríamos acreditar que a vacina viria, que a Pandemia iria acabar em algum momento de 2021 e que, então, voltaríamos a abraçar nossos colegas e amigos.

Mas, a realidade se impôs de forma diferente: somado ao luto por tantas vidas perdidas durante a Pandemia e por tanta destruição de laços vivenciada em nosso contexto nacional, reconhecemos a impossibilidade de estarmos presencialmente em Serra Negra. Após superadas as resistências iniciais de migrarmos o evento para o formato online, resolvemos embarcar nesta viagem e realizar em conjunto o Encontro Luso-brasileiro. E percebemos, então, que não seriam somente perdas o que enfrentaríamos. Pudemos, em função da modalidade, incorporar no mesmo evento o congresso nacional da SPGPAG e realizar em outubro de 2021 o XV Encontro Luso-Brasileiro de Grupanálise e Psicoterapia Analítica de Grupo, XIII Congresso Brasileiro de Psicanálise das Configurações Vinculares, XX Congresso Nacional da SPGPAG, XIV Jornada da SPAGESP.

O tema escolhido foi “Ressignificação dos Vínculos em Tempos de Múltiplas Incertezas” e representou muito do processo vivenciado, pois foi necessário ressignificar os espaços e as possibilidades vinculares para podermos realizá-lo. Juntamos forças e com  encontros quinzenais, mensais, sempre que necessário, pelo Zoom, com pessoas em localidades distantes (Brasil, Portugal, Uruguai, França), diferentes línguas e sotaques, imprimimos uma heterogeneidade produtiva e, nos dizeres Pichonianos, com a homogeneidade na tarefa. Realizamos um encontro muito significativo, que ajudou a pavimentar o caminho para desfrutar coletivamente de um sonho compartilhado.

O XIV Congresso Brasileiro de Psicanálise das Configurações Vinculares que agora apresentamos trouxe a imagem de rosas vibrantes e coloridas brotando de um asfalto rompido por alguma ação violenta e com aspecto de aridez. Sabemos que diferentes flores podem nascer até em rachaduras de pontes e viadutos, pois a vida persiste e se impõe. No entanto, as rosas são flores sensíveis e, se por um lado, precisam estar expostas ao sol, por outro, dependem de um clima ameno para se desenvolver e dificilmente brotariam de forma espontânea como na imagem aqui proposta.

Por este motivo, inspirados na epígrafe de abertura deste texto, trecho da tocante música “Sonho Impossível” escrita por Chico Buarque e Ruy Guerra, lindamente interpretada por Maria Bethânia, convidamos os participantes deste evento, para “sonhar, mais um sonho impossível”, em um espaço de reconstrução dos nossos saberes e fazeres. Pelo compartilhamento das reinvenções de profissionais diversos de diferentes contextos, vamos retirando as pedras e destroços dos caminhos, para, num processo coletivo de reconstrução, tecermos a esperança que tem sido cada vez mais necessária entre nós.

Cumprirmos a promessa feita naquele 26 de maio de 2019, reforçada pelo encontro virtual de 2021, de estarmos juntos, fortalecendo esta importante rede de vínculos que nos sustenta e permite renascer a cada dia.

Comitê Organizador